domingo, 31 de agosto de 2008

O impossivel carinho

Affection in Thre Pieces

Genie Maples



O IMPOSSÍVEL CARINHO



Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo

Quero apenas contar-te a minha ternura

Ah se em troca de tanta felicidade que me dás

Eu te pudesse repor

- Eu soubesse repor -

No coração despedaçado

As mais puras alegrias de tua infância

Manuel Bandeira

sábado, 30 de agosto de 2008

Em todos os jardins



Em todos os jardins hei-de florir



Em todos os jardins hei-de florir,

Em todos beberei a lua cheia,

Quando enfim no meu fim eu possuir

Todas as praias onde o mar ondeia.



Um dia serei eu o mar e a areia,

A tudo quanto existe me hei-de unir,

E o meu sangue arrasta em cada veia

Esse abraço que um dia há-de abrir.



Então receberei no meu desejo

Todo o fogo que habita na floresta

Conhecida por mim como num beijo.



Então serei o ritmo das paisagens,

A secreta abundância dessa festa

Que eu via prometida nas imagens.



Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Uma folha de erva


Uma folha de erva

Pedes-me um poema.
Ofereço-te uma folha de erva.
Dizes que não chega.
Pedes-me um poema.

Eu digo que esta folha de erva basta.
Vestiu-se de orvalho.
É mais imediata
do que alguma imagem minha.

Dizes que não é um poema.
É uma simples folha de erva e a erva
não é suficientemente boa.
Ofereço-te uma folha de erva.

Está indignada.
Dizes que é fácil oferecer uma folha de erva.
Que é absurdo.
Qualquer um pode oferecer uma folha de erva.

Pedes-me um poema.
E então escrevo uma tragédia acerca
de como uma folha de erva
se torna cada vez mais difícil de oferecer

e de como quanto mais envelheces
uma folha de erva
se torna mais difícil de aceitar.

Brian Patten

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Funeral Blues

Arlington National Cemetery



Funeral Blues



Parem já os relógios, corte-se o telefone,

dê-se um bom osso ao cão para que ele não rosne,

emudeçam pianos, com rufos abafados

transportem o caixão, venham enlutados.



Descrevam aviões em círculos no céu

a garatuja de um lamento: Ele Morreu.

no alvo colo das pombas ponham crepes de viúvas,

polícias-sinaleiros tinjam de preto as luvas.



Era-me Norte e Sul, Leste e Oeste, o emprego

dos dias da semana, Domingo de sossego,

meio-dia, meia-noite, era-me voz, canção;

julguei o amor pra sempre: mas não tinha razão.



Não quero agora estrelas: vão todos lá para fora;

enevoe-se a lua e vá-se o sol agora;

esvaziem-se os mares e varra-se a floresta.

Nada mais vale a pena agora do que resta.



W.H. Auden (1907-1973) In Twelve Songs (April 1936)

(tradução de Vasco Graça Moura)