quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Trás-os-Montes, reino maravilhoso!

Não tenho asas de contemplativo. Os meus arrebatamentos processam-se ao nível do chão. Dante, no Purgatório, promete o castigo de Deus para os desatentos à beleza eterna do céu, símbolo da própria transcendência. Eu sou desses pecadores. Nunca me canso de olhar a terra, e posso contar pelos dedos as horas que passei a namorar o firmamento. Gosto de ver uma noite estrelada, mas troco por qualquer seixo dos caminhos a mais cintilante jóia sidérea. Passei o dia feliz da vida a transitar de paisagens, e a extasiar-me diante de todas. Até que a tarde morreu. E agora, estendido no terraço do hotel, com a abóbada celeste a brilhar lá no alto, em vez de me perder, em mística ascensão, na constelada imensidade, deixo cair sonhadoramente as pálpebras, a antegozar na madrugada de amanhã o sol a espreguiçar-se nas restolheiras.

Miguel Torga
Mirandela, 27 de Julho de 1968

Diário X

2 comentários:

mc disse...

O nome até que sugere mais uma república.Uma entidade autónoma. Um esconderijo.E talvez tenha sido isso mesmo ao longo dos tempos e o seja ainda, não tanto, que enfim, as estradas sempre vão sendo um pouco melhores. Dantes valia-lhe o comboio que ainda não tem um bom substituto à altura e parece que só vão descansar quando tudo tiver sido reduzido a inutilidade, exaustão e peças avulsas.

Guiço disse...

O destino, ou o santo da capela lá no alto, baralhou-se…

"Plantou-me aqui e arrancou-me daqui. E nunca mais as raízes me seguraram bem em nenhuma terra."

"Amanhã regressarei..."

Miguel Torga